quarta-feira, 21 de abril de 2010

Carta Aberta ao Primeiro dos Ministros

Senhor Primeiro dos Ministros :

Eu, Mariana Pão Mole, tia do Francisco Mau Modo, mas bom falador, rapaz cá da terra que muito estimamos mesmo quando usa o santo nome da nossa aldeia em vão, profundamente aziada com a acusação que publicamente me fez, menos pela palavra, que essa é verdadeira, do que pela associação indevida e tauromáquica que lhe é feita, não porque eles me pesem mas pela calúnia ao meu querido defunto, não me pude conter e aqui estou ditando para o meu mais novo este testemunho que lhe quero mandar, certinha das palavras que aqui lhe mando não representarem apenas a minha incontida amargura e incompreensão, mas a da maioria absoluta cá da Aldeia.

Senhor Primeiro dos Ministros, sua graça, que vai sendo pouca, perdeu o juízo, anda por aí alguém a dar-lhe maus conselhos ou deu-lhe agora prós copos?

Então para além de pretender insultar-me por ser tia do Francisco, agora ameaça-nos de vender os Correios para arranjar uns cobres para dar a esse que dizem que Mexia aí nas coisas da electricidade!!! Deus nos livre… arre demónio… que fiquei logo a pensar na desgraçada história da minha amiga Maria Cola. Sabe senhor primeiro, as histórias das pessoas simples, às vezes, digam lá o que disserem, valem mais que muitos cursos para doutores, como de resto sua graça deve saber.

Na esperança de que ainda possa reconsiderar dessa malfadada ideia de nos vender os correios, não resisto a contar-lhe a história triste da minha querida ama Maria Cola, natural de Cabo Verde, mas trazida cá para a Aldeia pela Mãe, mulher para todo o serviço do agrário Fernandes, que por lá tinha umas propriedades.

A Maria Cola por cá cresceu ao serviço de meus pais até encontrar o conterrâneo com quem casou e que a levou lá para detrás dos montes, para uma Aldeia de brava gente mas muito isolada, no alto duma Serra de que já não me lembro o nome.

O marido, recém chegado do seu Cabo Verde natal, para resolver os tremendos problemas causados pelo isolamento, sobretudo a falta de água e de noticias da terra, resolveu comprar um burrinho e ensiná-lo a descer até ao fontanário da vila mais próxima, onde alguém sempre lhe enchia os cântaros, que o burrinho, ao fim de algum tempo, trazia, mais certinho que o romper da manhã, para as necessidades da família.

O dito, para além da água, transportava serra acima, num saquinho de plástico pendurado ao pescoço, cartas, notícias e outras encomendas. A chegada do burrinho era o momento mais alegre do dia.

Passado algum tempo, com a vida a dar para o torto, o marido da Maria Cola começou a afogar as consequências das crises nuns copitos duns licores caseiros, perdeu muita da capacidade que tinha para governar a família e decidiu, meio nublado pelos vapores dos álcoois, vender o burrinho!!!

Foi o fim da família… Sem o burrinho nada chegava lá a casa… A Maria Cola não teve outro remédio se não pegar nos cachopos e abandonar aquelas paragens… Andou por aí um par de anos aos trambolhões da vida, mas, cabo-verdiana de gema, rogou pragas à porca da vida e foi em frente até conseguir voltar para a sua terra, lá nos confins da chã do norte de Santo Antão assentou poiso e comprou dois “burrinhos-carteiros” para aí refazer a vida!

Sua graça percebeu?... Não venda os nossos burrinhos, (salvo seja) se não temos que nos ir embora, e as nossas Aldeias ficam mais desertas do que estão…

É isso que quer, continuar a esvaziar Portugal?... Vá de retro!

Mariana Pão Mole
Viúva do Inácio Pão Mole
Aldeia de São Mansos
Évora - Alentejo
Ao cuidado do meu mais novo:
Camilo Mortágua
Apartado 12
7920 ALVITO

Camilo Mortágua

1 comentário:

Graciete Rietsch disse...

Belas prosas Mário , esta e a anterior, do teu amigo Camilo Mortágua.

Um beijo.