sexta-feira, 30 de julho de 2010

Quando fui outro...



Recebi recentemente de presente de aniversário, uma antologia de Fernando Pessoa realizada pelo romancista brasileiro Luiz Rufatto e prefaciada por Inês Pedrosa, cuja edição é da Alfaguara (1ª edição: Julho de 2010).

Esta nova abordagem de Pessoa agradou-me e sensibilizou-me.

Estou ainda nas primeiras leituras, mas não resisti a partilhar convosco algumas das sensações que esta original antologia me está a proporcionar.

Tanto quanto sei, é a primeira vez que alguém aborda Fernando Pessoa como um todo uno e não um Fernando Pessoa esquartejado em múltiplas personalidades como se ele não fosse uno, como se não fosse humano, como se Pessoa não tivesse consciência disso mesmo.

Tal como a mais ínfima partícula, também o pensamento é indivisível.

De facto Pessoa é antes de mais um filósofo, tal como, e muito bem, diz Inês Pedrosa, que alia, na maior das belas artes, ciência, ficção, história e poesia.

Fernando Pessoa é o Tudo, o Todo e o Nada em si mesmo. É caótico, sincrético, complexo e simples. Fernando Pessoa é, foi, como qualquer ser humano pensante, uma amálgama de emoções, sensações e pensamentos, com a convicção de que uma obra nunca está acabada.

O que é que vale mais? A realidade ou o sonho? Será que uma existe sem a o outro e/ou vice-versa?

Não há respostas, porque se houvesse a obra tinha acabado e a obra só acaba quando morre, a obra, não os arquitectos.

Por cada descoberta que se faz surgem milhões de novas interrogações, por isso não temos de ter medo de errar, nem de seguir em frente, mas também não devemos ter a arrogância intelectual de dominar os acontecimentos, de ser donos da verdade, porque a verdade nos escapa sempre, porque existe a verdade construída e a verdade verdadeira e esta está sempre a fugir-nos.

Somos humanos e queremos sempre mais, queremos sempre ir mais longe, em busca do infinito.

Para reflexão e também como motivação para lerem este livro, deixo-vos aqui um pequeno excerto de um texto do próprio Pessoa:

[...] Uma única coisa suscita dez mil pensamentos, e desses dez mil pensamentos surgem dez mil interacções, e não tenho força de vontade para os eliminar ou deter, nem para os reunir num só pensamento central, onde os seus detalhes sem importância, mas a eles associados, possam perder-se. Passam dentro de mim; não são pensamentos meus, mas pensamentos que passam dentro de. Não reflicto, sonho; não estou inspirado, deliro. [...]

Termino tal como as últimas palavras escritas por Pessoa:

Não sei o que trará o amanhã.

4 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Mário que coisas bonitas tu escreveste. Gostei muito.
Todos nós somos uma amálgama de emoções , sensibilidades, tendências, ideais.... mas Pessoa conseguiu separar um pouco esses aspectos da sua personalidade, através dos seus geniais Heterónimos. No entanto, o seu eu não deixa de transparecer em toda a sua obra.
Fernando pessoa é um dos meus poetas preferidos. mas os neorealistas também me dizem muito, principalmente agora que estão tão actuais.

Um beijo muito grande, querido irmão Mário.

Mário Monteiro disse...

obrigado querida mana, apenas uma observação, eu acho que o pessoa não separou essa amálgama, mas que o espartilhou foram os académicos que analisaram a sua obra e os antologistas, Pessoa, penso, vivia nessa amálgama como todos nós, simplesmente aceitou-a e levou-a ao expoente máximo, escrevei como se se tratasse de uma corrente de pensamento. É isso que esta obra nos tenta fazer compreender

Graciete Rietsch disse...

Talvez tenhas razão. Estás mais preparado do que eu nesse assunto. Mas parece-me que os seus eus específicos vão aparecendo ao longo dos seus heterónimos.
Um beijo.

Micael Sousa disse...

Eu diria que Fernando Pessoa poderia ter sido um filosofo, mas só uma das suas obras tentou enveredar por essa vertente: O Banqueiro Anarquista. Mas, mesmo assim quase que parece um conto, tendo em conta as obras do filósofos convencionais.