sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
É Natal?
É Natal! Dizem!
A ilusão,o consumismo e a hipocrisia fazem parelha com a época que vivemos, mas para mim que sou ateu e portanto esta, como tantas outras festas têm um único pretexto, juntar família e amigos e reflectir sobre as agruras que se aproximam, debater e encontrar saídas para a luta renhida que é a nossa vida.
Onde está o Natal? Onde está o natal dos que sofrem em silêncio? Onde está o natal das vozes caladas pelo capitalismo, pelos senhores do Mundo?
Porque continuamos a acreditar no Pai Natal da mesma forma que acreditamos num qualquer salvador que aparecerá numa tal manhã de nevoeiro?
Porque não começamos a acreditar em nós próprios e na nossa capacidade de transformar o Mundo, de conseguirmos a felicidade na terra, através da solidariedade e não da caridade?
Sem hipocrisia e sem falsa modéstia a capacidade de mudar, de transformar, está dentro de nós próprios, por isso não desperdicemos o que temos de melhor.
Deixo-vos aqui um maravilhoso poema de António Gedeão e uma música de Zeca Afonso pelo Natal dos que não têm Natal:
Dia de Natal
Hoje é dia de era bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.
De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)
Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.
Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.
A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.
Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.
Ah!!!!!!!!!!
Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.
Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.
Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.
Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.
Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.
Natal dos Simples
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2 comentários:
Parabéns Mário. Grande, lindo post. Estou quase totalmente de acordo contigo, apenas umas pequeníssimas diferenças quanto a reuniões familiares.
Um grande beijo.
pois para qwem diz ser anti-consumista e pró-espirito natalício
é por isso que o
comentário vem com brinde de curso de culinária?
Curso Prático
Nutrição e Dietética
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