Apesar de não partilhar totalmente com António José Saraiva na confiança que ele deposita no actual Ministro da Educação, Nuno Crato, no entanto, e para já, dou-lhe o benefício da dúvida. Apesar de não ser seguidor das concepções relativas à ciência da educação de Nuno Crato, espero que, como professor, consiga (desejo) independência em relação aos políticos, pois prefiro um conhecedor no ministério, mesmo que discordando dele, do que um comissário político.
depois deste prólogo segue-se o excelente e clarividente artigo de José António Saraiva.
1 de Agosto, 2011 por José António Saraiva
Um dia, o Henrique Monteiro, que na altura era meu subdirector e responsável pela revista do Expresso, disse-me que tinha um novo colaborador na área da Ciência. «Chama-se Nuno Crato», concretizou, nome que não me dizia absolutamente nada. E acrescentou que o homem regressara há pouco do estrangeiro e lhe parecia uma pessoa particularmente interessante e culta.
A partir daí ele começou a escrever uma crónica semanal, que confirmava todos os elogios que lhe tinham sido feitos. Eram textos frescos, ao mesmo tempo didácticos, consistentes e imaginativos – qualidades que é muito raro coexistirem numa mesma rubrica.
Mais tarde vi-o na televisão, julgo que na SIC, num programa que mantinha as mesmas características. Parecia um programazito de curiosidades, mas era um programa científico concebido de uma forma divertida.
Vi-o também em debates televisivos, onde se revelou um homem inteligente, sensato e com aderência à realidade. O oposto do burocrata.
Como se vê, tenho em muito boa conta a capacidade do novo ministro da Educação. Julgo que ele pode ter as ‘ideias certas’ para esta área. E ser capaz de encontrar soluções criativas para as pôr em prática.
Esta parte não é negligenciável. Não basta, de facto, fazer diagnósticos correctos. Havendo um salto enorme entre o diagnóstico e a solução, a criatividade (associada ao bom senso) é decisiva para pôr de pé estratégias novas que funcionem.
E o país precisa disso como do pão para a boca. Neste momento, o sector da Educação é certamente o mais difícil de todos. Se nas Finanças há um trabalho colossal a fazer, na Educação o trabalho é homérico. As histórias que se contam sobre a indisciplina nas escolas são arrepiantes. E não me refiro só àquelas que foram objecto de grande mediatização. Refiro-me às histórias corriqueiras, que acontecem a toda a hora. Como um professor mandar um aluno apanhar um papel que atirou para o chão e ouvir este responder: «Apanhe você!».
Pergunto a um professor experiente por que não se expulsam das escolas esses alunos indisciplinados, que acabam por inquinar o ambiente. Ele responde-me: «Porque a lei não permite que eles sejam expulsos do ensino público. Assim, se são expulsos de uma escola, vão criar problemas noutra. Ora não está correcto que, para nos livrarmos de um problema, o atiremos para cima dos colegas». Enfim, parece uma questão sem saída.
Há hoje professores que vivem aterrorizados, com medo dos alunos. E outros que desistiram do ensino porque não aguentavam mais. E outros que gostam de dar aulas nas prisões porque aí «ao menos há disciplina». O panorama é aterrador. A Educação tem sido desde o 25 de Abril um campo de experiências – e os resultados são catastróficos. A indisciplina atingiu níveis insuportáveis, a desmotivação dos professores alastrou assustadoramente, o nível de aprendizagem baixou.
É preciso dizer que se têm dado, no sector, muitos passos errados.
O anterior Governo tentou pôr em prática um novo método de avaliação dos professores – e muita gente, da esquerda à direita, apoiou a iniciativa. Criticaram-se os professores por não quererem ser avaliados. Quase todos os opinion makers alinharam neste coro.
Ora, a maior parte das pessoas em Portugal tem vistas curtas, pouco vendo para lá da ponta do nariz. Numa observação superficial, o objectivo de avaliar os professores era bom: se todas as pessoas são avaliadas, por que razão os professores não haviam de ser?
Sucede que essa avaliação introduzia no sistema educativo uma perversão que ninguém viu: punha os professores em cheque, questionava subtilmente a sua competência, atirando assim para cima deles parte das responsabilidades pelo fracasso do ensino. E, last but not least, retirava na prática autoridade aos professores, mostrando que o Governo não os apoiava.
Ora a prioridade no ensino neste momento não é avaliar os professores – é avaliar convenientemente os alunos. Aí é que bate o ponto. E associado a este objectivo, há outro: fazer regressar a disciplina às escolas. Não há ensino, não há aproveitamento, em suma, não há escola, sem disciplina.
Os meus filhos andaram sempre no ensino oficial: na escola primária oficial, no liceu do Estado, na universidade pública. Assim, posso dizer que gastei muito pouco dinheiro com as formaturas deles. Ora hoje vejo pessoas, mesmo modestas, a porem os filhos nas escolas privadas. Quando lhes pergunto porquê, espantam-se e respondem: «Eu não ficava descansado se o meu filho andasse na escola pública».
Há duas gerações, a situação era a oposta: os melhores alunos eram os dos liceus do Estado – sendo os das escolas privadas vistos como cábulas que nunca passariam de ano se andassem no liceu público.
E esta quase obrigatoriedade de ter hoje os filhos em colégios privados tem enormes consequências sociais. Como educar os filhos passou a ser muito caro, as pessoas evitam tê-los. «Um chega muito bem», é o que se ouve dizer. E cada vez há menos crianças. A nossa sociedade envelhece.
Roberto Carneiro, que foi ministro da Educação há 20 anos e é um homem muito capaz, levou a cabo uma mudança que se revelaria decisiva: chamou as famílias às escolas. Os pais foram convidados a participar mais activamente na vida da escola dos filhos, o que parecia um bom e lógico objectivo. Mas o resultado foi desastroso. A maior parte dos pais vai à escola apenas para defender os seus filhotes, mesmo quando estes fazem as piores patifarias. Poucos pais se mostram interessados em melhorar o ensino; a sua principal preocupação é defender egoisticamente os filhos, queixando-se muitas vezes de professores ou de colegas.
A entrada dos pais na escola, em vez de contribuir para a solução, contribuiu para ampliar o problema.
Indisciplina generalizada, dificuldade de castigar os prevaricadores, desautorização dos professores, envolvimento da família na vida das escolas – tudo isto forma um cocktail explosivo muito difícil de enfrentar.
Confio, porém, neste ministro.
Confio na sua capacidade para perceber o actual estado de coisas, para fazer um diagnóstico correcto, para detectar os pontos fracos, para encontrar soluções que sejam simultaneamente sensatas e criativas.
Eu sei que não basta isto. Depois há a máquina. A pesadíssima máquina do Ministério da Educação contra a qual esbarraram muito boas intenções. Ouvi pessoalmente queixas de António Brotas, de José Augusto Seabra, de Diamantino Durão, de Marçal Grilo, de Oliveira Martins, do próprio Roberto Carneiro, ao peso da burocracia daquele ministério.
Mas, mesmo assim, continuo a confiar em Nuno Crato. Acredito que seja capaz de romper este ciclo infernal. E tenho um palpite: se ele não conseguir, muito dificilmente outro conseguirá. E aí será a catástrofe.