sexta-feira, 25 de novembro de 2011

25 de Novembro

Coisa estranha o 25 de Novembro de 1975. Foi o dia em que perdemos a inocência. Não me lembro de nada, não quero lembrar nada, por isso a minha memória vem de dentro, vem do meu próprio filho que, segundo diz, foi concebido nesse dia, eu não sei, mas ele deve saber, pois é suposto que estivesse presente. Como diz a canção do Sérgio Godinho: éramos tão jovens... mas não desperdiçávamos a vida, digo eu.

Para assinalar este dia deixo aqui o texto que o Guilherme escreveu e nos leu no lançamento, no Porto, do livro de Camilo Mortágua, Andanças pela Liberdade, no dia 28 de Maio de 2009 (curiosa esta data, o 28 de Maio, digo, não o ano, acho que me faz lembrar qualquer coisa, qualquer coisa também relacionada com perda de inocência, mas se calhar estou enganado).

Bom, isto hoje não está para grandes reflexões, aqui vai o texto do Guilherme:

"Intervenção na apresentação, no Porto, do livro "Andanças pela liberdade", de Camilo Mortágua

Não conhecia o Camilo até hoje, nem tive ainda a oportunidade de ler o livro, por isso, o que me trás aqui?!
Para melhor explicar, vou ler-vos o último capítulo de "O Estranho Caso do Cadáver Sorridente", do Miguel Miranda:

"- Deixa cair o corpo sobre a cama, e concentra-te apenas na minha voz...

Viajo na voz de Ofélia, com a pressa de quem deixou algo por fazer. Voz de mel, língua de veludo que me percorre o corpo que se entrega à sua hipnose húmida. Quero regressar ao passado, a ver se ainda vou a tempo. Desta vez, não vamos falhar. Não sei se acerto na espira certa do tempo, estas coisas da hipnose não sei se acontecem à medida dos desejos. Ofélia, ajuda-me a regressar àquela noite do vinte e cinco de Novembro, onde estávamos todos reunidos numa cave. Tu não sabes, Ofélia, nunca poderás saber a força que nos unia, eu, o Gato, o Alegria, o Mau Tempo, o Quim Comandos, o Professor, a Adélia, o Cofres, o Tono da Viela, o Leonel, a Lisa, a Elsa, o Dílio Bailarino, o Hiroxima, o Vagamente, o Beto Doutor, o Poeta, espalhados em silêncio esperando pelas armas pesadas que vinham de Lisboa. Tu nunca poderás ter a noção de como foi dura a espera, como a nossa força se transformou em desespero, pela madrugada dentro, quando nos convencemos de que as armas não chegariam nunca.

- Concentra-te na minha voz, tu tens muito sono...

Sim, sinto uma vontade irresistível de adormecer, e acordar noutro tempo. Desta vez nada vai falhar, iremos a Maceda buscar os arsenais de reserva, não ficaremos eternamente à espera. Cortaremos a Ponte da Arrábida e o Viaduto de Santo Ovídio na noite de vinte e quatro para vinte e cinco, abriremos caminho à bala e à granada, morreremos se preciso for, para que a noite não acabe. Para não voltarmos a acordar de manhã com os sonhos todos desfeitos. Revolução ou morte, será o nosso grito. Talvez ainda haja tempo para fazer com que não tenha acontecido o que aconteceu. Talvez possamos salvar a Revolução, repito vezes sem conta, enquanto escorrego na voz de Ofélia direito ao passado com a certeza de ter uma missão a cumprir. Como se caísse num poço sem fundo, sem certeza de regresso.

Desta vez, nada vai falhar."

E foi exactamente nesta noite, ou nas imediatamente a seguir, que os meus pais, companheiros de luta quer do Camilo, quer das personagens do texto que acabei de ler, me amaram pela primeira vez, e me trouxeram para a luta (uma vez que nasci 9 meses depois), porque de facto, a história e aquela noite ainda não acabaram.

Com 15 anos, em 1991, deixo-me fascinar pelo Francisco Louçã e pela campanha do PSR. 5 anos mais tarde tornava-me militante, no Porto, tendo chegado a ser dirigente nacional dos jovens do PSR, e tendo participado em movimentos anti-racistas, anti-praxe e nas lutas estudantis que se viveram no final da década de 90, do século passado. É por isso pois, que tenho o maior orgulho de, em 1999 ter tido a oportunidade de me pronunciar, e ter respondido afirmativamente quanto à construção do Bloco de Esquerda. Hoje, mais afastado da militância partidária, mas não totalmente desligado, continuo a lutar por aquilo em que acredito e actualmente, sou dirigente de uma associação de Comércio Justo.

Por isso, quer a minha simples existência, quer aquilo que hoje sou, devo-o a este passado, aos meus pais  e a estas pessoas, Camilo Mortágua, Palma Inácio, e outros, que felizmente com eles se cruzaram.

Para terminar, as palavras do Luís Represas (que com o Manuel Faria, do Trovante, também andou pela LUAR):

“Fecho a fronteira p’ra lá de mim
olho-me em ti p’ra me ver
juro que a paz não faz parte de um sonho
espero por ti p’ra vencer” 


Guilherme Rietsch Monteiro

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