sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Apesar de Você



Apesar de Você - Chico Buarque


Hoje você é quem manda
Falou, tá falado
Não tem discussão
A minha gente hoje anda
Falando de lado
E olhando pro chão, viu
Você que inventou este tema
Que inventou de inventar
Toda a escuridão
Você que inventou o pecado
Esqueceu-se de inventar
O perdão
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Eu pergunto a você
Onde vai se esconder
Da enorme euforia
Como vai proibir
Quando o galo insistir
Em cantar
Água nova brotando
E a gente se amando
Sem parar
Quando chegar o momento
Esse meu sofrimento
Vou cobrar com juros, juro
Todo esse amor reprimido
Esse grito contido
Este samba no escuro
Você que inventou a tristeza
Ora, tenha fineza
De desinventar
Você vai pagar e é dobrado
Cada lágrima rolada
Nesse meu penar
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Inda pago pra ver
O jardim florescer
Qual você não queria
Você vai se amargar
Vendo o dia raiar
Sem lhe pedir licença
E eu vou morrer de rir
Que esse dia há de vir
Antes do que você pensa
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai ter que ver
A manhã renascer
E esbanjar poesia
Como vai se explicar
Vendo o céu clarear
De repente, impunemente
Como vai abafar
Nosso coro a cantar
Na sua frente
Apesar de você
Amanhã há de ser
Outro dia
Você vai se dar mal
Etc. e tal

1 comentário:

Anónimo disse...

PORTO, 2007.08.18

Ao Mário Monteiro

Aló.

Aí vai um texto sobre a vida que recebi dum amigo, que acho bastante elucidativo sobre a forma de ultrapassar os desequilíbrios. Dispõe e aceita um abraço do
João.

"Meu velho!
Quanta honra!

Sinceros agradecimentos pelas caracterizantes palavras que teceste a meu respeito no que concerne ao que sinto e como vejo e vivo a vida. É verdade! Bem definido, como sempre.

A questão que colocas, isto é, como me sentiria eu hoje face â vida se uma forte e causticante desventura me tivesse batido â porta, não pode ter, como é óbvio, uma resposta objectiva da minha parte. Felizmente, não vi a minha vida fustigada por intempéries consideradas dramáticas, daquelas que, como no exemplo a que fazes referência, podem destroçar e vencer a melhor das forças anímicas.

Fiquei orfão de mãe aos oito anos, mas a vida teve que continuar para mim.
Fui parar a Santa Maria com uma apendicite aguda, quase transformada em peritonite pela ingénua ignorância que me fazia acreditar que se tratava de uma indigestão de um polvo assado que havia ingerido umas horas antes. Expurgou-se o mal em devido tempo.
Fui operado no IPO a um melanoma fatal que só não cumpriu a sua mortal missão porque cheguei atempadamente âquele hospital. Sobrevivi.
Vivo diarimente com uma doença crónica, predisposta a pregar-me a partida de uma trombosis cerebral, tendência que tenho que contrariar tomando permanentemente a pírula. Continuo gostando de viver!
Vi ruir pelas bases, indefeso e irrecuperável, o castelo da minha actividade industrial que tão entusiasticamente havia construído durante um quarto de século. Disponho de menos capital para poder fazer opções de tipo de vida, mas continuo a viver feliz.

Coisas de somenos, digo eu. Apenas constrangimentos que são inevitáveis num longo percurso de sesenta e quatro anos. Continuo acreditando que a vida é uma contínua corrente de sentimentos renovados. O meu lema foi e continua a ser o de que o passado não é mais do que uma aprendizagem para a vida. Apenas uma lição. Não a pecha que se nos entranha e impede de viver o presente. Na capacidade de renovar quotidianamente os nossos sentimentos reside a alegria de viver. Naturalmente . Com a certeza de que o dia de hoje pode e deve fazer esquecer as eventuais agruras do de ontem, por mais fatídicas que tenham sido. Com a certeza de que um dia o comboio vai chegar ao fim da linha mas que, enquanto dura o seu percurso, há uma paisagem à nossa volta que é sempre digna e de indispensável admiração.

Insisto! A vida há que vive-la hoje, por hoje, com a vida de hoje.
Vivamo-la!

Arnaldo silva
Felizmente reformado"