quinta-feira, 5 de março de 2009

Mãe!



Para quê inventar quando está tudo escrito... Mãe!

Recordo-te mãe. Estás sempre presente. Recordo quando me contavas, ou me lias, o "Suave Milagre", ou o "Menino da Mata e o seu Cão Piloto". Era tão pequenino e ficava tão preso às tuas palavras, dias e dias, mas a tua história era como se todos os dias fosse uma história nova. Havia sempre algo de novo. Era o teu amor que era sempre mais do que no dia anterior. Mãe que saudades de voltar ou teu colo. De voltar a ser pequenino e encontrar protecção em ti, muito mais do que no pai, que passou sempre ao lado de mim.

Mãe, se nunca te disse, digo-o agora.

- Amo-te mãe!

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[...]

Mãe, eu quero ficar sozinho...

Mãe, não quero pensar mais...

Mãe, eu quero morrer mãe.

Eu quero desnascer, ir-me embora, sem sequer me ir embora.

Mãe, por favor, tudo menos a casa em vez de mim, outro maldito que não sou senão este tempo que decorre entre fugir de me encontrar e de me encontrar fugindo, de quê mãe?

Diz, são coisas que se me perguntem?

Não pode haver razão para tanto sofrimento.

E se inventássemos o mar de volta, e se inventássemos partir, para regressar.

Partir, e aí, nessa viajem, ressuscitar da morte às arrecuas que me deste.

Partida para ganhar, partida de acordar, abrir os olhos, numa ânsia colectiva de tudo fecundar, terra, mar, mãe...

Lembrar como o mar nos ensinava a sonhar alto, lembrar, nota a nota, o canto das sereias, lembrar o "Depois do Adeus", e o frágil e ingénuo cravo da Rua do Arsenal.


Lembrar, cada lágrima, cada abraço, cada morte, cada traição, partir aqui com a ciência toda do passado, partir, aqui, para ficar...

[...]
José Mário Branco, in "FMI" (1979)

1 comentário:

Anónimo disse...

Não tenho a eloquência da tua escrita, nem tão pouco pretendo a ter mas, não queria deixar de dizer que a recordação e o retrato que tens da tua mãe é o mesmo que tenho da minha.
Hoje, dia 11 faz dois meses que deixei de ter, para sempre, a minha maior amiga, a minha maior confidente, a minha MÃE.
Todo o dia tenho pensado e chorado a sua perda. Revejo seu olhar doce e tranquilo, retenho o aconchego dos seus braços à volta do meu corpo, sinto seu beijo quente em minhas faces, o toque meigo com que acariciava os meus cabelos e; recuando mais atrás, ouço a sua voz contando histórias de encantar e cantando lindas canções de embalar...

No dia em que ela me deixou muitos abraços de conforto e carinho recebi mas, o que mais me encantou e tocou, foi o que o nosso amigo Jorge me dedicou.
Ninguém o leu, apenas eu.

Nunca pensei partilhá-lo mas,ao ler o que escreveste, a presença constante que sentes da tua mãe,o quereres voltar a ser pequenino, permite-me que o coloque aqui porque, afinal, as nossas mães tinham tanto em comum!

"É ESPESSA A LUZ QUE REGRESA
AGORA"

"É espessa a luz que regressa agora e desperta intensa os passos que darei pelo dia, persistente
permanece a poção ou cicatriz e a
mágoa com que guardo as sombras que derramavam o sol no meu bibe
e nos meus cabelos.
As sombras com que vou aprender a morrer e a revelar o mundo e os desafios mais intensos da solidão...
eu sei que vou crescer até à eternidade com palavras simples, perscrutar no meu corpo o arrepio de ver nascer a cintilação de um outro olhar, de um outro olhar
e me comova o vento da sedução e a
máscara múltipla da desordem e do indizível para que possível seja
perder-me e ganhar-me e poder olhar
no assombroso mar o muro dos enigmas, sentir o fogo do medo ou o nevoeiro da serenidade,os secretos rumores do amor que se tecem dia a dia para conhecer-me
íntima frente a frente...
eu sei agora que o mais intenso silêncio dardeja e revela o seu nome e o seu destino está vivo nos meus lábios e, apenas pelos meus lábios...
a mão deslumbrante que desenhava o vento ou o voo dos pássaros e segurava com infinita elegância a quente chávena do chá
e pela manhã me penteava e abotoava
os botões do vestido; atravessa agora a fragilidade da morte e vem como um segredo arrastar na noite o lençol do meu sono e desnudar os degraus luminosos dos sonhos e da alegria...
e, cúmplice do meu olhar, murmurar docemente o meu nome"
Jorge Velhote

Meu querido amigo, mais não consigo escrever. Aceita da tua amiga um grande abraço de saudade e amizade.
Alexandra