Não sou um bom professor, como também não sou um bom pai, um bom marido ou companheiro, um bom amigo, um bom colega. Não, de facto não sou bom em nada e muito menos excelente. Não sou bom porque sei que posso sempre ser melhor.
Deixando de parte todas as valências que compõem a complexidade da vida humana vou focar simplesmente o papel do que é que ser professor hoje e aqui.
Para se ser bom professor é preciso que se reúna pelo menos uma das seguintes condições: ter nascido super-dotado, ter vocação para a profissão, ter uma formação adequada ou ter uma capacidade constante para aprender e inovar.
Não se nasce professor, faz-se professor, isto é constrói-se o edifício da educação, ou da instrução, para citar Agostinho da Silva, aliás é este o conceito com o qual mais me identifico, pois educar é uma ideologia ou está ao serviço de uma ideologia, logo uma forma de uniformizar, de manipular, enquanto que instruir é simplesmente dar os mecanismos que permitirão que cada um desbrave o seu próprio caminho.
Como qualquer edifício também o da instrução/educação se constrói a partir da base, com uma dialéctica permanente, capaz de inteligentemente se adaptar às transformações sociais, económicas, políticas e religiosas que se operam no mundo a uma velocidade cada vez mais alucinante. Uma dialéctica constante entre os agentes envolvidos no processo, com tolerância, mas com determinação e sem demagogia.
A instrução/educação é um projecto global, comum a toda uma sociedade, capaz de dar os meios para que cada um de nós encontre os caminhos para a sua afirmação pessoal e colectiva.
A educação/instrução não é exclusiva de um quantos iluminados, que há muito estão afastados da realidade que se vive nas nossas escolas, mas sim dos que, no terreno, têm consciência do país em que vivem, têm consciência de uma escola baseada em intenções de projectos educativos cujo objectivo foi o de criar uma sociedade submissa e manipulável.
É urgente, é imperioso, uma verdadeira reforma da educação. Uma reforma em que deverão colaborar todos os agentes do ensino e não uma reforma contra os professores. Já agora esta reforma não deve contar necessariamente com os sindicatos, embora estes, compostos por professores, não devam ser excluídos à priori do processo.
A profissão de professor tem uma carreira
sui generis, pois todos desempenham as mesmas funções desde o início até ao fim da carreira, por isso é artificial e injusto criar duas categorias de professores.
Sendo a profissão de professor essencialmente docente deve ser a sua capacidade pedagógica para a docência que deverá pesar mais na avaliação do professor, não as suas qualidades burocráticas, a sua simpatia ou a sua demagogia, isto é, não adianta ter um dossier muito bem organizado se na realidade isso não corresponde à prática docente.
Não se compreende que em nome da defesa da excelência no ensino se promova a titulares os professores mais velhos, só porque são mais velhos, e se deixe de parte uma larga percentagem de professores competentíssimos e excelentes só porque são mais novos. Ainda por cima baseado em pressupostos que pouco ou nada têm a ver com a prática docente. Baseados em situações arbitrárias de atribuição de cargos os quais muitas vezes não foram da responsabilidade dos professores mas do interesse dos Conselhos Executivos que atribuíram muitos desses cargos a professores para lhes completar o horário.
Outras vezes foi solicitada a colaboração de professores para coordenar a gestão do material informático que chegava às escolas. Por carolice muitos professores deram o seu melhor, abdicaram de cargos, que não tinham uma relevância por aí além, nem sequer eram valorizados pelo ministério e desempenharam um papel relevante em lançar as bases da informatização das escolas e esses cargos, criados pela autonomia das escolas, não foram oficialmente reconhecidos, pois o cargo de coordenador TIC é recente. Todo o tempo dedicado nessas funções foi totalmente desperdiçado, tendo muitos destes professores sido ultrapassado por outros que continuaram a desempenhar os outros cargos, os tais que deram pontuação para a passagem a professor titular.
Depois, em nome da excelência, atribui-se uma cota por escola para os que podiam ascender ao Olimpo da titularidade. O resultado foi que nalguns departamentos ou escolas havia excesso de candidatos e muitos deles tiveram de ser excluídos apesar de terem pontuações elevadíssimas, segundo os critérios de excelência do próprio Ministério, enquanto que em outras escolas ou departamentos não havia nem candidatos ou candidatos com pontuação suficiente, tendo sido promovidos os que concorreram mesmo não atingindo os mínimos exigidos. Onde está a igualdade de critério? Onde está a tão apregoada excelência?
A carreira de professor é única, porque ao contrário do que acontece noutras profissões, o professor quando é promovida não vai desempenhar outras funções. Se o Ministério quer criar funções diferentes nas escolas que o faça, mas nesse caso serão cargos totalmente diferentes dos de professor e então as vagas deverão ser preenchidas por aqueles que estão interessados em ocupá-las e preencham os padrões de qualidade exigidos para essa função.
O Ministério quer avaliar a profissão docente? Certo, nenhum professor teme a avaliação do seu desempenho, todos querem ser avaliados, mas por um processo justo e transparente que avalie o seu desempenho naquilo que depende dele e da qualidade da instrução por si ministrada, não de resultados impossíveis de controlar pelo próprio docente num ensino massificado, como por exemplo, o abandono escolar.
Ora aqui está um quadro que pode ser criado, o de avaliador, voluntário, não um avaliador forçado, com mérito e capacidade reconhecida, isento. Um avaliador formador, não um avaliador castigador, penalizador, castrador. O processo ensino-aprendizagem só melhora com a colaboração de todos e uma reforma deste tipo não se faz de um dia para o outro, há que faseá-la.
Como sempre o processo deve começar no inicio, na formação de professores, aqui é que se deve ser exigente, nem todos podem ser professores, do mesmo modo que nem todos podem ser médicos ou engenheiros, ou trolhas, ou carpinteiros. Por isso em vez de facilitismo deverão ser aplicados programas exigentes por professores exigentes, que só seleccionarão os melhores. Depois de entrados na carreira os professores serão sujeitos a um processo de avaliação justo, sempre com um carácter formativo, após um período probatório, não pelo modelo actualmente proposto pela ministra. Quanto aos que já estão na carreira devem ser ajudados a melhor o seu desempenho, caso necessitem, devem ser acompanhados, devem ser incentivados, não reprimidos, perseguidos ou reduzidos ao papel de simples burocratas, de comissários políticos.
Concordo que nem todos possam chegar ao topo da carreira, mas que sejam impedidos de o alcançar por um processo justo de análise do seu desempenho e não pela criação de cotas artificias com carácter meramente economicista.
Concordo que alguns professores possam ser ajudados a encontrar, dentro da escola, outras funções que se coadunem mais às suas capacidades, muitas vezes desperdiçadas. Não que se coloque na prateleira do mau professor, muitas vezes são pessoas excelentes em determinada área, que foram usados pelo Ministério sem critério, apenas porque precisavam de docentes e, agora que os quadros estão cheios e a população escolar está a diminuir. Não seria mais justo pegar neste professores que se encontram inadaptados à profissão docente e orientá-los de forma a colocarem ao serviço da instrução as capacidades que têm e não simplesmente bater-lhes com a porta na cara. Não será mais justo o caminho da tolerância, da busca de soluções pacíficas, de potencializar capacidades, do que a exclusão?
Como se podem avaliar professores de igual modo quando as realidades sociais, económicas e culturais de onde são oriundos ou os locais onde se encontram a leccionar são tão diversos? Não será necessário um critério de correcção, no mínimo em relação ao meio em que leccionamos e às condições que cada um de nós desfruta na respectiva escola. Como se avalia do mesmo modo realidades diferentes? Os professores sabem, porque lidam com esta realidade todos os dias ao avaliar os seus alunos.
Uma verdadeira reforma no ensino tem de começar no pré-escolar, dando passos firmes para a formação de cidadãos, não para a criação de ser abjectos, sem qualquer formação e facilmente manipuláveis pela elite política do país ou do mundo.
O problema da educação/instrução está muito longe de ser um problema exclusivamente português, mas isso também não serve de justificação para cruzar os braços. Há que continuar a luta pela defesa de um ensino de qualidade, lutar por um estatuto que dignifique a profissão de professor perante a opinião pública, porque a profissão docente é uma profissão digna, das mais dignas até. Que se estabeleça um critério justo de avaliação do desempenho docente sem ideias pré-concebidas e com a participação dos professores, principais agentes do processo de ensino/aprendizagem.
Neste momento estamos a assistir nas escolas a uma clivagem nas escolas que poderá ter consequências imprevisíveis para o presente ano escolar.
Respeito a posição daqueles, poucos, que sempre assumiram a defesa do presente ECD e repectivo processo de avaliação. mas já não tenho qualquer condescendência por aqueles que iniciaram o processo e cobardemente fogem quando surgem as primeiras contrariedades. Se uns fogem por medo (vá saber-se de quê) ainda se pode compreender, mas aqueles que fria a calculadamente estão a entregar o ouro ao bandido porque cobarde e oportunisticamente, vêem a possibilidade de ultrapassar uns quantos, aproveitando-se da luta dos colegas para se promoverem à custa do sacrifício e da luta dos outros.
Estes sim deviam ser reprovados por falta de integridade, carácter e cidadania.
Eu em circunstância alguma farei algo que seja contra aquilo em que acredito, isto é, na justeza da luta dos professores, não receio ficar isolado, não correrei cobardemente para o rebanho, estou de bem comigo, tenho a minha consciência tranquila, não dou facadas nas costas dos colegas, não me aproveito da sua luta, como também não me aproveitarei das suas fraquezas.
Não concordo, mas não condeno os que sempre defenderam este ECD. Não concordo, mas tento compreender as razões do que se sentem ameaçados e têm medo das consequências dos seus actos. Não concordo e condeno os cobardes e os oportunistas.
Muito mais haveria para dizer e desenvolver o tema anteriormente aflorado, mas não pretendo, para já, fazer uma análise exaustiva, apenas levantar algumas questões e abrir portas para a reflexão, procurar saídas nas salas que parecem fechadas. Talvez surjam comentários que ajudem a esclarecer esta situação.
Ficou aqui um artigo escrito de um só jorro (que desculpem algum erros que possam surgir, porque ainda não tive tempo de fazer uma revisão ao artigo) emotivo, talvez pouco esclarecido ou esclarecedor, mas que saiu cá de dentro, do que vejo, do que sinto. Não terei, nem pretendo, ter toda a razão, mas tenho de certeza alguma, que pode ser uma boa base para um entendimento, sem calendário político, mas com encontro marcado com o ensino e a cidadania.
EU ESTOU DO LADO DOS PROFESSORES E DA QUALIDADE DE ENSINO E VOCÊS!