quinta-feira, 6 de setembro de 2007

A Ilha da Mão Esquerda

Amar fora sempre a grande preocupação da vida de lorde Jeremy Cigogne; mas, aos trinta e oito anos, este aristocrata britânico ficava furioso por nunca ter sabido converter a paixão pela mulher num amor verdadeiro. Na verdade, ele não era aquele tipo de marido negligente que deixa a esposa na quietude. Ao longo dos sete anos de casamento, Cigogne perturbara o coração de Emily com o mesmo espírito impetuoso com que fazia tudo. Chegara mesmo a provocar algumas partidas desenfreadas, na esperança de dar à sua história um cariz "muito à francesa". Mas Jeremy percebia agora o quanto se havia enganado ao procurar perturbar a chama da antiga paixão, e toda a artificialidade da sua luta contra o desgaste. De tanto insistir em manter-se amante, ele não soube tornar-se esposo.

Os anos não tinham enfraquecido os sentimentos que Emily mantinha por ele; no entanto - e isso constituía agora toda a inquietação de Cigogne - não parava de crescer nela um sentimento de incompletude. Jeremy amava-a, ardentemente, mas sem a conhecer na realidade. Tinham passado por toda a espécie de prazeres; contudo, o proveito das paixões reside somente na exaltação que proporcionam. O coração não pode alimentar-se exclusivamente de semelhantes entusiasmos, e o de Emily consumia-se nestas encenações ilusórias, nesta desordem de estratagemas calamitosos que acabavam por a magoar. Apesar da sua boa vontade, muito sincera, Jeremy sentira sempre pela mulher esse gosto cego e definitivamente egoísta que não procura compreender o outro, nessa espécie de êxtase delicioso que faz com que se ame mais os jogos de amor do que o seu objecto.

(...)

Alexandre Jardin in "A Ilha da Mão Esquerda"

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Comentário: a ler, para não dizer imperdível.

1 comentário:

No Mundo de Inês disse...

Gostei muito da passagem. Quando o livro estiver disponivel gostaria muito de o ler.

Parabéns pelo regresso à leitura.